PANA – Tecnologias para outras formas de construção: A experiência construtiva de mulheres em movimentos populares

A PANA é uma tecnologia bolsa, recipiente, participante, reprodutora. Ela é uma tecnologia mãe, feminista, ancestral e por isso acolhe diferentes usos e sentidos. A PANA foi feita de mulheres para outras mulheres.

O projeto de extensão e pesquisa Tecnologias Para Outra Forma de Construção: a experiência construtiva das mulheres em movimentos populares é sediado na FAU/Ufal, no grupo de pesquisa IDEA, e foi financiado pelo International Development Research – Carleton University, no Canadá, entre 2020 e 2022. Seu produto final, a PANA, é fruto de uma parceria entre mulheres de três comunidades: o Quilombo Santa Rosa dos Pretos, no Maranhão, construindo uma cozinha comunitária; um grupo de mulheres da Serra da Misericórdia, periferia da cidade do Rio de Janeiro, trabalhando em redes comunitárias para enfrentar a pandemia de COVID-19; e um grupo de pescadoras lutando por sua comunidade tradicional em contraposição ao avanço do turismo em Porto de Pedras, Alagoas; juntas a professoras e estudantes de graduação e pós graduação da UFAL, UFABC, UFRJ e da USP.

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por uma CIDADE BOLSA

Em 1988, a escritora estadunidense Ursula K. Le Guin escrevia um texto simples, um ensaio de apenas algumas páginas, mas com uma extrema potência semântica para criar uma simples e importante implosão de ponto de vista, uma “redefinição feminista da história como uma tecnologia cultural” (Shin; Vickers, 2019, p. 4, tradução livre): A TEORIA DA BOLSA DA FICÇÃO (The Carrier Bag Theory of Fiction). A importante teórica feminista Donna Haraway, na introdução que escreveu para este livro em uma edição estadunidense de 2019, afirma que o texto de Le guin “moldou meu pensamento sobre a narrativa em torno da teoria da evolução” e foi essencial na sua produção mais famosa (ainda sem tradução pro português) Primate Visions: Gender, Race, and Nature in the World of Modern Science (Haraway, 2019, p. 9, tradução livre). O ensaio, recém traduzido para o português e lançado em livro pela Editora N-1 no Brasil (você também pode ler uma tradução informal do texto neste blog), questiona uma visão recorrente nas histórias dominantes e propõe uma mudança de perspectiva.

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Grupo de Estudos – SOBRE PRESENÇAS E AUSÊNCIAS: O FEMININO NAS ARTES

Guestpost (autoras convidadas): Valéria Garcia e Helena Rizzatti

 

Tratar da ação feminina no espaço artístico é uma missão inquietante, desafiadora e apaixonante. Foi durante as aulas das disciplinas História da Arte I e II, no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Ribeirão Preto, que a docente Profa. Dra. Valéria Garcia notou como o tema instigava as alunas, e alguns alunos, e começou a desenhar o tema central do grupo de estudos.  A pergunta motivadora foi: qual o espaço da mulher no mundo das artes?

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Jane Jacobs: uma mãe urbanista

jacobsDentre seus diversos ativismos contra projetos de intervenção urbana que arrasavam comunidades e bairros com projetos modernistas, sua maior batalha foi uma luta contra o projeto Lower Manhattan Expressway, de Robert Moses que destruiria o entorno do seu bairro em Nova York, na década de 1960. Em uma das audiências sobre a realização da intervenção urbana de Moses, as argumentações contra o projeto feitas por Jane Jacobs (1916-2006) foram desqualificadas pelo urbanista modernista acusando-a de “MÃE”:

“Não há ninguém contra isso [o “Lower Manhattan Expressway”] – NINGUÉM, NINGUÉM, NINGUÉM, a não ser um monte de … um monte de MÃES!” – Fala de Robert Moses, em uma audiência pública sobre seu projeto urbano.

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“As primeiras a serem expulsas são as prostitutas”

Gabriela Leite, prostituta, escritora e fundadora do movimento social de defesa dos direitos das trabalhadoras do sexo no Brasil, afirma, em uma entrevista de 2006 na revista Caros Amigos, que as primeiras pessoas a serem expulsas por processos de intervenções/renovações urbanas são as prostitutas (LEITE, 2006). De forma recorrente, prostitutas são alvo de processos de remoção e “limpeza”. A eliminação da prostituição aparenta ser uma estratégia precursora de abertura de caminhos para processos de revalorização imobiliária, marcados pela chamada “gentrificação”, na qual a principal característica é uma nova injeção de capital na área e a decorrente substituição de seus moradores/usuários por outros de maior renda. Para isso se efetivar, a violência contra a presença das prostitutas é aliada a processos também violentos de desconstrução dos seus espaços de atuação, como demolições e “emparedamentos”.

“Pistas del Baile”: série de fotografias da artista mexicana Teresa Margolles que retratam prostitutas sobre os escombros da demolição de antigas boates e locais de prostituição nos quais trabalhavam em Ciudad Juárez , México: “Desde los años noventa, sucesivos gobiernos han intentado recuperar su centro histórico llevando a cabo una limpieza social y desplazando, entre otros, a las trabajadoras sexuales que se desenvuelven en la zona. Casas y negocios han sido cerrados y demolidos a lo largo de los años, entre ellos numerosos clubes nocturnos y discotecas, debido a la guerra entre carteles de droga, a decisiones gubernamentales y a la especulación inmobiliaria (Artishock, Jun 9, 2017)”

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A Mordaça “Anti-Bruxa”: design para exclusão de mulheres do espaço público

mascara

Roland Caillaux, 1945

No ensaio “Can the Subaltern Speak?” (“Pode o subalterno falar?”), de 1985, a teórica feminista indiana Gayatri Chakravorty Spivak argumenta que o subalterno, no caso a mulher não-européia, não pode falar e quando toma coragem de fazê-lo, não é escutado. Isto é, além de enfrentar diversas dificuldades para conseguir se expressar, quando consegue, sua voz não tem valor. Isso devido a constituição cultural do que se constituiria um saber válido, no qual sua valorização depende ainda do sujeito que o elabora, sujeito este construído a partir do mito da universalidade. O ensaio é uma crítica a ciência a partir da ótica do feminismo pós-colonial, mas serve também para pensar a relação entre a fala e a separação construída pela divisão sexual do trabalho a partir do binarismo espaço público/privado. Falar e ser escutada é fazer parte do todo, das decisões coletivas, da política e do espaço comum. É fazer parte da cidade.  Continuar lendo

O Coletivo “Charlotte Perriand”

Guestpost (autoras convidadas): texto do Coletivo Charlotte Perriand (coletivo de estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP)

Charlotte Perriand em seu apartamento

Charlotte Perriand em seu apartamento

O Coletivo Charlotte Perriand surgiu no ano de 2016 em meio aos três meses de greve geral da universidade. Ficamos bastante inspiradas por duas professoras nossas, a Silvana Rubino e a Sabrina Fontenele, que trouxeram a discussão de gênero e domesticidade para o curso de arquitetura e urbanismo. Depois de alguns encontros entre as mulheres do curso começamos a nos questionar quantas vezes usamos referências de arquitetas mulheres nos nossos projetos, quantas vezes referências femininas foram utilizadas como bibliografia no programa das disciplinas, onde estão as mulheres no mercado de trabalho, já que a maioria no curso é de mulheres, ou quantas figuras femininas foram contempladas pelos prêmios que tanto reconhecemos.
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“Eu quero sair daqui!”: cenas fantasmagóricas do espaço doméstico

Birgit Jürgenssen, “Housewives’ Kitchen Apron”, 1975

Birgit Jürgenssen, “Eu quero sair daqui!”, 1976

Vestida de um avental típico das donas-de-casa e prensada por trás de uma porta envidraçada, a artista austríaca Birgit Jürgenssen (1949-2003) escreve no vidro Ich möchte hier raus!: “Eu quero sair daqui!”. A obra, de 1976, é dos trabalhos desta artista feminista de vanguarda que, por meio de fotografias, desenhos, pinturas e objetos debate a situação da mulher em sua época, situação esta que continua assustadoramente atual. Birgit se especializou em uma arte corporal feminina por meio de auto-retratos e séries fotográficas e/ou desenhadas, que mostram uma seqüência de eventos relacionados à vida social diária de uma mulher, em uma atmosfera de preconceito, medo e reclusão. Continuar lendo

Perspectivas da inclusão das questões de gênero no ensino de Arquitetura e Urbanismo (apresentação no seminário “A Dimensão Social do Profissional” na FAU-UNC)

Guestpost (autora convidada): texto de Camilla M. Sumi (Arquiteta, Urbanista e Pesquisadora – PATC – FEC | Habitares | UNICAMP)

No próximo dia 26/10 haverá a apresentação do trabalho Gênero no Ensino de Arquitetura e Urbanismo: Aproximações, desenvolvido pela pesquisadora Camilla M. Sumi e a professora Silvia A. Mikami G. Pina, ambas do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Tecnologia e Cidade da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). A apresentação irá compor uma das mesas do Seminário Internacional “A Dimensão Social do Profissional – Após 47 anos Taller Total, na FAU-UNC (1970-1975)”, cujo o objetivo é proporcionar o intercâmbio de experiências da relação entre formação e prática profissional em países da América Latina, com ênfase na relação ensino-sociedade e práticas de extensão. O evento, como um todo, ocorrerá entre os dias 25 a 28 de Outubro no Complexo Educacional FIAM/FAAM – FMU e no Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (SASP), em São Paulo.

A discussão do trabalho junto ao eixo temático sobre a formação universitária e o compromisso com os problemas sociais, políticos, econômicos e culturais da região, visa demonstrar a importância da inclusão das questões relativas à gênero nos processos educativos e práticas do ensino de Arquitetura e Urbanismo frente às demandas sociais, ausência ou delonga de políticas públicas urbanas, e as próprias adversidades que começam no ensino, perpassam a carreira e estendem-se ao cotidiano urbano. Para tanto, será apresentado o levantamento de projetos políticos pedagógicos dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, produzidos nas duas últimas décadas no contexto latino-americano, os quais já incluem de maneira afirmativa, seja por disciplinas ou outras atividades, as questões de gênero e outras que as fazem interface, como as étnicas-raciais e de classe.

Exemplo das atividades realizadas na disciplina Diseño y Estudios de Género da Facultad de Arquitectura Diseño y Urbanismo (FADU) em Buenos Aires. Fonte: Diseño y Estudios de Género – Cátedra Flesler, FADU-UBA, 2017. Disponível em: <https://www.facebook.com/dyeg.fadu/&gt;. Acessado em: 16/08/2017.

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O urbanismo feminista do Col·lectiu Punt 6

Ilustração da publicação “Noturnas”, um projeto do Col·lectiu Punt 6

O urbanismo feminista vem despontando como uma alternativa para se pensar a cidade e seus equipamentos coletivos de uma outra forma. Principalmente na busca de uma aliança das dicotomias entre a esfera produtiva e a esfera reprodutiva. A cooperativa Col·lectiu Punt 6, em Barcelona (Espanha), é uma referência nesse sentido. O grupo é coordenado pela Arquiteta e Urbanista feminista Zaida Muxi, professora da Universidade de Barcelona, e é composto de arquitetas, sociólogas e urbanistas.

Segundo a cooperativa, o urbanismo feminista desafia a premissa de que o planejamento é neutro. Nesse sentido, reafirma a ideia de que nossas cidades e bairros foram configurados por meio dos valores de uma sociedade capitalista e patriarcal, nos quais, é importante ressaltar, que esta forma física dos espaços urbanos contribui para perpetuar esses mesmos valores. Em resposta, o planejamento urbano feminista propõe práticas para transformar as divisões típicas das cidades capitalistas e patriarcais, que demostram a necessidade de repensar os espaços públicos a partir da ótica da vida cotidiana. Significa colocar a vida das pessoas no centro das decisões de planejamento por meio da participação da comunidade, sobretudo nos espaços onde “a vida acontece”: a casa, o bairro, os centros urbanos, os subúrbios e periferias. Continuar lendo